[Sinto-me honrada quando a qualidade dos comentários ultrapassa a "qualidade" dos posts. Por isso, tomei a liberdade de pegar nas palavras de quem comentou o último post, e criei uma história, um texto, o que lhe quiserem chamar, com algumas adaptações que, espero, não levem a mal. Obrigada Naked, Gatafunha, Jazz manel, Lisboeta, Rantanplan, a. e AG, pela emotividade das vossas palavras. A quem conheço, um beijo especial e, a quem não conheço, um abraço amigo (um sorriso especial para o a., pela fantástica história que aqui partilhou).]Quando se corta uma veia poética a poesia espalha-se?
(Não me apetece falar de morte)
- Só pensando na morte se consegue realmente viver...
A primeira vez que fui ao Cemitério dos Prazeres tinha 12 anos. Era miúdo do Barreiro mas vim estudar para Lisboa (apanhava o barco às 6h30). Detesto flores de plástico, pior que isso só bonecas de porcelana!
- Todas as flores neste cemitério são de plástico. Só assim se atinge a eternidade.
Fumei os meus primeiros cigarros e o primeiro charro. E, fora da escola, aprendi - à custa de algumas quedas, arranhões e uma lesão a sério - a apanhar eléctricos em andamento. Um deles - não sei se já era o 28 - vinha da Graça, passava perto da escola e ia para o Cemitério dos Prazeres.
- Sabes, uma das coisas mais bonitas em Veneza é o cemitério onde está sepultado Wagner.
... era um palacete antigo, lindíssimo, com tinta verde a estalar nas paredes...
"Morreu do coração no auge da fama, em Veneza, e foi sepultado num túmulo por ele próprio preparado, em terrenos de sua casa, em Bayreuth."
Vinha com uma colega da mesma idade, a Lurdes, que esteve muitas vezes para ser minha namorada e nunca foi...
"Na vida nada se perde, tudo se transforma."
Fumámos sentados nas campas, lemos os nomes dos mortos e tentámos decifrar o significado dos epitáfios. Havia um cipreste maior do que os outros. E um jazigo com anjos...
"Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça."
Eugénio de AndradeE havia muito vento vindo de Alcântara e do rio.