ginjinha


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rua de Santa Justa, Baixa de Lisboa

Levantou-se do canto onde o cheiro de dias e dias sem tomar banho se misturava com o seu próprio vómito. A língua não lhe cabia na boca, era azeda e custava-lhe articular as palavras. Uma mulher passou por ele e levou a mão ao nariz, enojada. Mandou-a para o caralho e disse, tão claramente quanto a língua confusa lhe permitia, que faria melhor em lhe dar umas moedas para ir poder ir beber uma ginjinha e tirar o amargo da boca.
Ela fugiu, saltando por cima das poças de água, para não molhar os sapatos de camurça. Não valeu de muito, porque daí a uns minutos um carro passaria a toda a velocidade pela estrada e ela ficaria encharcada com a água suja onde ele costumava lavar a cara quando acordava. Mas ela ainda não sabia disso.
Ele continuou a balbuciar a palavra “ginginha”, uma e outra vez. Uma e outra vez. Até lhe perder o sentido. Levantou-se e olhou para o local onde tinha passado a noite. Que miséria de mim, pensou. Ao menos metias-te num táxi. Lembrou-se, então, que não se recordava de ter, algum dia, dormido em outro sítio. E, de facto, se o tivesse feito, teria sido há muito tempo. As latas de comida, a sujidade, o cheiro do corpo impregnado na calçada, dava-lhe conta do lar que era o seu. Foda-se, mas como é que cheguei aqui? Confuso, foi a contar as pedras sob os pés, perdido em arabescos dentro do cérebro, até à tasca em frente.
Rebuscou na algibeira e os dedos sujos encontraram reconforto em moedas perdidas. Saia daí uma ginjinha ó ti Aníbal. Estranhamente, sabia o nome do homem atrás do balcão. Conhecia-lhe os contornos das rugas poeirentas e até o branco intenso dos cabelos. O copo com o líquido brilhou-lhe nos olhos e sentiu-se quente nas entranhas à medida que a ginjinha lhe escorria pela goela. Daí a dias, a vaga de frio tomaria conta do corpo mirrado. Mas ele ainda não sabia disso. Por isso, bebericava a ginjinha com gosto. O ti Aníbal não dizia nada. Olhava-o, apenas, com pena. Mas sentiu-lhe a falta, dias depois. Mas claro, ele também ainda não sabia. Até que ambos cairam no esquecimento dos dias.


2 reacções a “ginjinha”

  1. Anonymous Anónimo 

    Há uma série de personagens como esta pela cidade. Uma série de histórias. There's nothing that can't be fixed... sim sim

  2. Anonymous Anónimo 

    Isto faz-me voltar atrás...ao começo do meu canto...onde tudo começou... Vocês Sabem Lá

palavras soltas

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