Eu não lhe queria fazer mal. A sério, não queria. Mas sabem quando se atinge o ponto de saturação, aquele instante em que o leite começa a ferver e, mesmo que se baixe o lume, já nada a fazer? Quando ficamos com um formigueiro nas mãos, no corpo, e temos de nos levantar e endireitar o quadro na parede, fechar a torneira que pinga, pinga, pinga sem parar, apanhar o pedaço de cotão que nos fita há horas num canto sem desaparecer. Quando um amigo repente constantemente a mesma palavra errada e não aguentamos, e à quinta ou sexta vez que o faz, temos de o corrigir.
Desta vez foi o barulho. Aquele irritante barulho da fivela da mala a bater na prateleira de vidro da carruagem. Um tilintar metálico, que cresceu nos meus ouvidos e se tornou estridente no meu cérebro. Fechei os olhos mas o ruído estava ali e não havia forma de desaparecer. Comecei a ficar inquieto. Ainda faltava uma hora para chegar ao meu destino. O pouca-terra-pouca-terra já me tinha embalado, mas tinia agora este maldito despertador acima de mim. E mais ninguém parecei incomodado senão eu. O dono da mala e da fivela metálica estava a dormir profundamente, o filho da mãe. E eu aqui, com uma dor a penetrar mais fundo, cada vez mais fundo.
Foi por isso que quando o tipo acordou e se dirigiu à casa-de-banho, o segui. E foi por isso que tirei um lápis bem afiado do meu estojo. Foi por isso que, quando o encontrei à saída, lhe espetei o lápis na garganta sem hesitar. Ainda tentou dizer qualquer coisa, mas não conseguiu. O sangue abafou qualquer esgar que quisesse ter sobrevivido. E eu voltei para o meu lugar, onde dei um empurrão à mala e a puta da fivela deixou de tilintar.
lápis na garganta? bolas...quem é amigo?
Ai ai ai que estou a ver um pouco de Bret Easton Ellis a influenciar esses teus impulsos... literários, entenda-se.
rspiff: sabes que eu seria incapaz de espetar um lápis na garganta de alguém... desde que não me provoquem! ;)
rantas: hum, se fosse o Bret a influenciar-me tinha de meter cocaína e uma carrada de comprimidos pelo meio. E o "Passa aí o Lexotan" são histórias passadas... ;)
ug! calma rapariga...
Ups! Se se passar algo assim algum dia comigo, dá-me hipótese de fechar a fivela primeiro! :))
É impossível dizer como é que a ideia entrou pela primeira vez na minha cabeça; mas, uma vez concebida, atormentava-me noite e dia. Móbil, nenhum havia. interesse, não tinha nenhum. Gostava do velho. Nunca me fizera mal nenhum. Nunca me ofendera. O ouro dele, não o desejava. Acho que era o seu olho. Sim, era isso! Ele tinha o olho de um abutre - azul-claro, coberto por uma membrana baça. Sempre que pousava em mim o meu sangue gelava-se; e então, por etapas - muito gradualmente -, decidi tirar a vida ao velho, e assim libertar-me para sempre daquele olho.
(Edgar Allan Poe)